A narrativa de Lucas, demasiadamente conhecida, é impressionante.
O filho, que pedira antecipação da herança, dissipou tudo, ficou sem nada,
resolveu voltar e o pai deu um banquete por esse regresso, enfrentando a
cólera do irmão mais velho, que havia ficado todo o tempo com ele e nunca
tivera festa igual.
Pensemos no filho pródigo não no final de sua desventura, quando voltou, e foi
abraçado pelo pai, apesar das censuras do irmão. Pensemos nele enquanto
estava longe. Quando usou a herança e a dissipou entre as vaidades do mundo e
caiu na miséria, na tristeza e na solidão. Como se sentia ele, no íntimo,
quando estava no fundo do poço? O que pensava, como a si mesmo se via?
Lá está ele, longe de tudo, longe de casa, longe da segurança e da fartura da
família, longe do aconchego. O que ele tem? Não tem mais nada, gastou tudo,
estragou, dissipou, desperdiçou. Só lhe restam lembranças. De fato, ele só tem
a consciência de que é filho do pai. É seu único bem, seu único título, seu
único valor. Não tem boas ações a exibir, não tem vitórias, êxitos, glórias a
mostrar. Não tem mais patrimônio, não tem bens, não tem nada. A única coisa que
tem é a certeza de que é filho. Pode ser que o pai não o receba, não o
reconheça, não reconstitua sua posição – e ele, de fato, não merece. E,
sinceramente, nem imagina isso, não sonha com isso. Quer, regressando, ficar
apenas como empregado na casa do pai, e isso não estará errado – está na linha
do que ele veio aprontando, e ele está conformado com esse destino.
Ao decidir
voltar, não pode ter certeza de nada, nenhuma esperança. Não pode esperar ser bem
acolhido, não se pode imaginar de novo no velho convívio. Apenas volta – e
volta mais do que humilde, volta humilhado. Volta envergonhado, volta
despedaçado. Muito mais do que arrependido, volta arrasado, destroçado,
aniquilado. Mas volta porque é filho, embora confesse sinceramente saber que
“já não sou digno de ser chamado teu filho”; dentro de si mesmo, está
reconhecendo: “teu filho que não merece nada, não merece teu perdão, nem tua
generosidade, nem tua acolhida, nem sequer teu nome”. Pede para ser tratado
apenas como um empregado do pai, um dos mercenários dele.
No fundo, o único título que ele tem é o de ser filho daquele pai. É por isto
que pede para ficar como empregado, não por conta de sua competência ou de suas
habilidades. É por conta de sua condição de filho que pede o emprego. No fim de
contas, é assim que se apresenta, com este único título. E o que não diz, mas
está subentendido, é que, como filho, ama o pai.
E o pai – contra talvez a justiça, contra talvez a boa ordem, contra talvez a
correta retribuição das coisas (como o filho fiel, o mais velho, dirá,
reclamando) – o abraça, não apenas porque é generoso mas porque está sumamente
feliz. E os dois intensamente choram. Choram de dor e de felicidade.
(Pode ser que este seja o único título com que muitos de nós nos apresentaremos
um dia diante d'Ele: o de sermos seus filhos).
José Luiz Delgado
Fonte: Diário de Pernambuco