Um emocionante filme genuinamente brasileiro
por Francisco Taunay
Após o
sucesso de 2 Filhos de Francisco, o diretor Breno Silveira decidiu não mais
fazer biografias. Essa decisão, tomada em meio a chusma de propostas
biográficas que surgiram depois do filme, foi alterada quando o diretor teve
contato com as 15 horas de gravação em K-7 onde Gonzaguinha entrevista seu pai,
Luis Gonzaga.
É justamente
sob essa perspectiva, do conflito entre pai e filho, que o filme é construído.
Nessa entrevista, reproduzida no filme, o filho já maduro parece entusiasmado
com a possibilidade de conhecer o pai, que sempre foi distante, apesar de ter
provido financeiramente o garoto ao longo da vida. “Quando sua mãe morreu,
minha vida virou do avesso”. Com essas palavras, Gonzagão busca justificar a
sua distância, e o fato de haver deixado o filho para ser criado por um casal
amigo, enquanto fazia suas turnês pelo Brasil.
O filme
possui um ar de superprodução, e realmente funciona ao aliar a fotografia
estilo retrô, uma direção de arte cuidadosa, com as músicas fabulosas destes
dois gênios genuinamente brasileiros. A alternância entre diálogos emocionantes
e a exibição de paisagens, que fazem com que o filme respire, é determinante
para tornar fluida a narrativa, catalisada ainda por cenas de arquivo, de
diferentes texturas, que contribuem para tirar o aspecto asséptico encontrado
nas produções desse tipo, que visam chegar ao grande público.
Um outro
fator notável do filme é a sua capacidade de produzir climas: existem grupos de
cenas, potencializadas pela música, que transportam cuidadosamente os sentidos
do espectador ao longo destas duas trajetórias, do pai e do filho. A
verossimilhança da interpretação — com destaque para o não-ator Chambinho do
Acordeon, escolhido entre cerca de 5 mil pessoas para interpretar Luis Gonzaga,
além de Júlio Andrade, que cria uma espécie de reencarnação de Gonzaguinha —, é
essencial para o sucesso do filme. Apesar de uma série de cenas que primam pela
emoção, em nenhum momento temos a sensação de que o filme fica piegas, ou
extrapola o limite da naturalidade.
A
possibilidade de conhecer melhor as músicas de Luis Gonzaga e Gonzaguinha, um
artista também excepcional, além de suas vidas absolutamente interessantes, é
um presente do filme. Ele nos mostra o universo do sertão nordestino, a cidade
de Exu, em Pernambuco, além do Morro do São Carlos, e o Rio de Janeiro antigo,
tudo muito bem reconstituído, e feito com absoluto cuidado.
A visão de
um universo mais popular, algo que poderia mostrar uma série de preconceitos, é
feita de uma forma honesta, que só enaltece o universo do Rei do Baião. A
gênese dos personagens, que muitas vezes cai na ingenuidade
emocional-popularesca em filmes que buscam o apelo popular, também é feita aqui
de forma cuidadosa, no sentido de compor bons diálogos e uma sólida narrativa.
Há o
destaque para a parte do filme, que reproduz a história de Gonzagão, quando ele
ensina um frentista e um anão, pessoas que nunca tiveram contato com
instrumentos, a tocar em um dia para realizarem um show acompanhando o cantor.
Seria um mito? Aqui, a fronteira entre o imaginário e o real se perde nessa
história mítica de um nordestino que lutou para conquistar o Brasil com o seu
talento, e de um filho que luta a todo instante para ganhar a amizade de seu
pai. Fora o raro prazer de assistir a um grande filme sem precisar ler as
legendas!
Fonte: http://opiniaoenoticia.com.br/opiniao/gonzaga-de-pai-pra-filho-de-breno-silveira