O Exame Nacional do Ensino Médio é um
dos muitos instrumentos de concentração de poder político nacional nas mãos de
quem já o detém
Por Percival Puggina (vale à pena ler)
É provável que você, leitor, não saiba como funciona o Enem,
o tal Exame Nacional do Ensino Médio. Nem imagina como um aluno possa prestar
exame no Amazonas e ser qualificado para cursar Direito no Rio Grande do Sul.
Menos ainda haverá de entender a lógica dessa migração acadêmica num país de
dimensões continentais.
Pois eu também não sei como funciona o Enem. Mas sei algo
sobre ele que, segundo tudo indica, poucas pessoas sabem. O Enem é um dos
muitos instrumentos de concentração de poder político nacional nas mãos de quem
já o detém e a ele se aferrou de um modo que causa preocupação. É parte de um
projeto de hegemonia em implantação há vários anos. Tudo se faz de modo solerte
e gradual, de modo que a sociedade não perceba estar perdendo sua soberania e
se tornando politicamente imprestável. Se não fazemos parte desse projeto e não
compomos quaisquer das minorias ou grupos de interesse que se articulam no país, tornamo-nos
inocentes inúteis, cidadãos de última categoria, numa democracia a caminho da
extinção por perda de poder popular, por inanição do poder local.
É possível que o leitor destas linhas considere que estou
delirando. Que não seja bem assim. Talvez diga que mudei de assunto e que o
primeiro parágrafo acima nada tem a ver com o segundo. Pois saiba que tem, sim.
Peço-lhe que observe a realidade do município onde vive. Qual o poder do seu
prefeito, ou de sua Câmara Municipal? O que eles, efetivamente, podem realizar
pela comunidade? Quais os sinais de progresso, da ambulância ao asfaltamento da
avenida, que acontecem sem que algo caia da mão dadivosa da União? Quais são as leis locais que você considera
importante conhecer? E no Estado? Tanto o Legislativo quanto o Executivo
constituem poderes cada vez mais vazios, que vivem de discurso, de promessas,
de criação de expectativas. Empurrando a letargia com a barriga.
Observe que todas as políticas de Estado que podem fazer
algum sentido na vida das pessoas são anunciados no plano federal (que venham a
acontecer é outra conversa). Por quê? Porque é lá que estão concentrados os
recursos tributários e os bancos oficiais realmente significativos. O poder
político que comanda o país conta muito com seu elenco de prerrogativas
exclusivas. Mas o poder que tudo pode, como temos testemunhado à exaustão, pode
até o que não deve poder. Esse monstrengo chamado Enem não é apenas uma fonte
de colossais trapalhadas. É um instrumento de poder, centralizando currículos,
ordenando pautas, agindo contra as diversidades regionais, ideologizando as
provas (não é por mero acaso que a primeira questão do Enem deste ano começa
com um texto de Marx), e criando nos estudantes a sensação de que a Educação, o
exame, o ingresso no ensino de terceiro grau são dádivas federais.
As cartilhas, os livros distribuídos às escolas, os muitos
programas nacionais voltados ao famigerado “politicamente correto”, tudo isso
atende a um mesmo e único objetivo, do qual o Enem faz parte. É um projeto de
poder. O único projeto que de fato mobiliza as energias do governo. Por isso,
segue firmemente seu curso e seu cronograma no país.
Fonte: Opinião e Notícia