Lembranças do Passado
Por Joaquim Maria
A Serra da Barriga,
para mim, sempre foi enigmática. Eu já visitava a serra desde quando,
praticamente era inacessível o caminho até o platô. Nós fazíamos o percurso a
pé. Saíamos logo cedo do centro da cidade, passávamos pelo cercado da Fazenda
Jurema, fazendo uma parada para descanso em um açude na localidade denominada
de Laranjal.
Ali ficávamos por algum tempo nos refrescando naquela água
negra e fria. Depois da pausa e de um rápido lanche, era hora de arrumar as
mochilas e seguir rumo a cume da serra. No caminho, muitos espinhos e bichos peçonhentos,
além dos bois que pastavam e que de vez em quando, partia pra cima da gente,
nos obrigando a correr e atravessar a cerca, em busca de proteção. Esse trajeto é mais curto do que o atual, mas
era uma trilha e não tinha tráfego de automóveis.
Essas nossas caminhadas a serra tinha mais um efeito
ecológico do que histórico/cultural porque naquela época, a história do
Quilombo ainda não era bem difundida e essas manifestações culturais e as
peregrinações como as que existem hoje, praticamente não havia.
A subida era cansativa, mas excitante. Mais satisfeitos
ficávamos quando alcançávamos o platô; onde hoje se concentram as manifestações
e rituais em homenagem ao Rei Zumbi. A
vista era exuberante e a localização estratégica.
Ainda tinha tempo de nos refrescar na “Lagoa Sagrada”, onde por
um instante, a turma mergulhava literalmente, na história do Quilombo dos
Palmares. Neste momento, todos nós ficávamos imaginando como teria sido viver
aquela maneira. Livres mas aprisionados no seu pequeno território. As nossas
mentes viajavam em busca de respostas para o tão monstruoso massacre da
comunidade negra daquela região.
Outro fato importante era o estado ainda bruto das matas. A
serra estava bastante preservada. Os pássaros cantavam e revoavam por entre os
galos das árvores centenárias. Era incontável a quantidade de sons e animais
silvestres naquela área. Os sons vinham de todas as direções. Até o vento produzia um som diferente fazendo
as árvores gemerem; o que despertava a imaginação de alguns, que diziam que era
o gemido dos negros em agonia.
Depois de algumas horas na lagoa, arrumávamos as mochilas
novamente e atravessávamos todo o platô, descendo por uma trilha muito íngreme,
saindo cerca de 1 KM, antes da entrada
do Posto de Informação atual, voltando pelo mesmo lugar e fazendo mais uma
parada no açude para refrescar o nosso corpo,
dolorido e empoeirado.
A chegada à cidade era próximo ao escurecer, por isso, a dispersão
do grupo, aos poucos ia acontecendo, porque depois de um dia cansativo,
precisávamos de um bom banho, de uma refeição substancial, para repor as
energias de uma longa e prazerosa caminhada nas trilhas do Quilombo dos
Palmares.