Por Luiz Flávio Gomes
Nas sociedades
constitucionalmente democráticas e (mais ou menos) civilizadas (mesmo que se
trate de democracia puramente formal, eleitoral, não cidadã, como é o nosso
caso), a derrubada ou o enquadramento do poder governante considerado
insatisfatório (por corrupção, incompetência, falta de apoio popular etc.), se
faz por meio do direito vigente. O impeachment de Collor (por todas as razões
que acabam de ser invocadas) constitui exemplo disso.
Não podemos, no
entanto, ser idiotas ou ingênuos a ponto de não perceber que o direito triunfa
somente quando, “para além das boas razões, tem do seu lado a contundência da
força” (Carlos María Vilas,El poder y la política, p. 43).
Se nossa democracia
ainda é puramente eleitoral (formal), não cidadã (esta é a que respeita os
direitos de todos, sem as barbáries das desigualdades brutais praticadas pelo
estrambólico capitalismo tupiniquim – veja F. Giambiagi, Capitalismo: modo de
usar), é porque (quase sempre) nos faltou a necessária força para mudar a
nefasta realidade (força essa que tem que ser igual ou superior à que sustenta
um determinado grupo ou governo no poder, embora deslegitimado e corroído por
incompetência ou corrupção).
Que tipo de força é
essa que derruba ou enquadra um poder? Fora das democracias, é a força bruta, a
força física, a violência, a força das armas (Silent leges inter arma, dizia
Cícero). O golpe civil-militar de 1964
andou por esse tenebroso caminho. Os político-civilmente covardes, que não
suportam nos ombros o peso da ética e da democracia real, logo aderiram (e
aderem) aos golpes (às estruturas de poder). Nada mais confortável (para os
covardes ou oportunistas) que terceiros tomarem conta do país (ou da educação
dos nossos filhos) sem a necessidade do nosso esforço.
Nas democracias
existem duas forças que derrubam ou enquadram o poder: uma é visível (força das
massas rebeladas); a outra é invisível (no nosso neofeudalismo, são forças
econômicas e financeiras suseranas, que têm o poder político como vassalo). A
primeira é mais emocional. A segunda é predominantemente racional (ninguém quer
saber de arruinar mais ainda o país onde estão seus negócios, suas famílias
etc.).
No nosso atual
momento de conjugação de crises agudas (política, econômica, social, jurídica e
ética), as forças invisíveis estão divididas. Algumas, porque satisfeitas,
querem a permanência do PT no governo (bancos, por exemplo); outras, não. Como
são preponderantemente racionais, nada decidirão enquanto não se souber quem
vai suceder o PT, em que condições, com quais articulações políticas, quais
garantias de governabilidade etc.
As forças visíveis
(massas rebeladas) são cada vez mais conscientes de que não bastam a invocação
dos direitos legais ou mesmo argumentos discursivos. O fiat-alba (que, no
final, derrubou o Collor), no mundo da podridão da mafiocracia vivida pelo
Brasil, não é difícil de encontrar.
É a força
comunicativa, associativa e ativa das redes civis e sociais, particularmente
nas ruas (é preciso tirar a bunda do sofá), que constitui a poderosa ferramenta
das mudanças (seja para avançar na conquista dos direitos, seja para reduzir
drasticamente a injustiça da opressão e das desigualdades e impor novos padrões
de justiça e bem-estar, seja para apoiar as instituições que estão funcionando,
seja, enfim, para derrubar ou enquadrar um governo, que já não atende nem
sequer as expectativas elementares).
“A única coisa que
mete medo em político é o povo nas ruas” (dizia Ulysses Guimarães). Atualizando
essa célebre frase diríamos: na mafiocracia, as duas coisas que metem medo em
político são: (a) o povo nas ruas e (b) a falta de financiadores para suas
campanhas, aos quais eles vendem a alma dos seus mandatos.
Fonte: Alagoas 24 Horas
Luiz Flávio Gomes, jurista e presidente
do Instituto Avante Brasil